Um
estudo conduzido por pesquisadores da Harvard Medical School, por meio do
hospital especializado Mass Eye and Ear, revelou em 2024 uma possível
associação entre o uso da semaglutida (princípio ativo do medicamento Ozempic)
e o desenvolvimento de neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica
(NAION), uma condição ocular grave que pode levar à perda permanente da visão.
O
estudo foi publicado na revista científica JAMA Ophthalmology, e teve como
objetivo analisar a incidência de complicações oculares entre pacientes que
utilizam o Ozempic, originalmente indicado para o tratamento do diabetes tipo 2
e que, nos últimos anos, se popularizou também como um redutor de peso.
A
pesquisa acompanhou 16.827 pacientes ao longo de seis anos, sendo: 710
pacientes com diabetes tipo 2 e 979 pacientes com sobrepeso ou obesidade. Esses
pacientes foram divididos entre usuários da semaglutida e usuários de outros
medicamentos para controle de diabetes e perda de peso. Utilizando o modelo de
regressão de Cox, técnica estatística que ajusta os dados para fatores como
idade, histórico de hipertensão e apneia do sono, os pesquisadores detectaram
um aumento expressivo no risco de NAION entre os usuários de semaglutida.
Entre
pacientes com diabetes tipo 2, 8,9% dos usuários de Ozempic desenvolveram
NAION, contra 1,8% dos que usavam outros medicamentos, o que representa um
risco 4,28 vezes maior. Entre pacientes com sobrepeso ou obesidade, 6,7% dos
usuários de Ozempic desenvolveram a condição, em comparação com 0,8% dos que
utilizavam outros tratamentos, um risco 7,64 vezes maior.
Embora
os resultados sejam expressivos, os autores do estudo alertam que os dados são
observacionais, ou seja, não permitem afirmar com certeza que o Ozempic causa a
neuropatia, mas indicam a necessidade de monitoramento clínico e mais pesquisas
aprofundadas.
O
Dr. Ricardo Filippo, oftalmologista e sócio da Clínica Oftalmológica Integrada
de Campo Grande, no Rio de Janeiro, destaca que os resultados acendem um sinal
de alerta na prática médica. “É um alerta não só para os oftalmologistas, mas
para toda a comunidade médica. Precisamos estar atentos aos efeitos colaterais
de qualquer medicamento, mesmo os que já estão estabelecidos no mercado”,
afirma. Segundo o especialista, o impacto do Ozempic sobre o nervo óptico pode
estar relacionado à sua atuação sobre o fluxo sanguíneo. A hipótese mais forte
hoje é que a semaglutida possa comprometer a perfusão da cabeça do nervo
óptico, reduzindo a oxigenação da região. Isso pode desencadear a NAION,
especialmente em pacientes com fatores de risco como hipertensão, diabetes ou
apneia do sono.
Dr.
Ricardo ainda ressalta que muitos dos efeitos adversos só aparecem após uso
prolongado e em grande escala. “Avaliar as causas é muito importante. Estamos
ainda no início de uma grande pesquisa, mas o estudo já serve para nos deixar
atentos. Qualquer medicamento vira um alerta quando há uma incidência de
relatos não previstos em sua composição”. Sobre o Ozempic Desenvolvido pela
farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk e lançado em 2017, o Ozempic ganhou
popularidade mundial não apenas pelo controle da glicemia, mas também pela
capacidade de promover perda de peso.
A substância ativa, semaglutida, imita o hormônio GLP-1, responsável por aumentar a secreção de insulina e reduzir o apetite. O especialista recomenda que usuários de Ozempic que apresentem qualquer alteração visual procurem avaliação oftalmológica com urgência. Segundo a IQVIA, as vendas de medicamentos à base de semaglutida no Brasil cresceram 663% entre 2018 e janeiro de 2024, somando R$ 4,2 bilhões no período; só o Ozempic faturou R$ 3,1 bilhões em 2023, com alta média de 39% ao ano entre 2021 e 2023.
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